No Rincão da Forquilha

Coisas do meu rincão. Causos e estórias do meu rincão


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O Javali do Taquara

Taquara era peão valente, destemido, lidador de muitas fazendas. Como os irmãos Cará e Bolacha, nascido e criado na Vossoroca. Depois de moço mudou-se pro Painel, onde logo se apaixonou por formosa morena, filha do Tio Juca Brito.

Magrinho, sempre alegre e sorridente, contador de bons causos, mas nas lidas campeiras um verdadeiro taura.

Já peão feito, passou seus últimos anos de lida, na fazenda do Paulo Menina, vizinha do meu rincão. Vez por outra sua filha Maninha dá uma mão pra patroinha nas lidas lá de casa.

De prontidão pra qualquer lida campeira, certa vez, na mangueira do Celsinho Mariano, numa lida pro Hélio Branco, touro deitou no centro da mangueira e num instante levantou boi. A peonada aplaudiu a destreza do Taquara naquela castração.

Taquara encarnou como poucos a verdadeira alma lageana.

Mas vamos a estória que motivou este causo. Alguns anos atrás, encilhou as éguas com o genro Cabeça e na companhia da velha buldogue, foi a cata de pinhão nas chapadas da fazenda do Antonio Silva, aqui ao lado do meu rincão.

Perto do açude das carpas, o nego velho avistou tremendo javali pastando com a boiada. Devagar se aproximou, mas logo o bicho percebeu e se largou em disparada pro perau logo depois da cascata. A velha buldogue, Taquara e Cabeça no seu encalço. O bicho logo estava acuado. O Taquara montado disparou certeira laçada pelo meio do carazal. Firmou o laço na argola da basteira da baia e gritou pro Cabeça:

  • Saltemos! Eu na cabeça e tu nas patas. Mas temos que pegar junto.

Ao sinal do Taquara, num instante estavam os dois sobre o javali, de mais de cem quilos. Dominado, sangrado e carneado, deixou o Taquara dependurada numa árvore a cabeça do javali, que hoje enfeita o nosso fogo de chão, como troféu e recordação das façanhas deste taura.

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Cabeça do Javali do Taquara, que enfeita o fogo de chão da FG

Depois de aposentado, o nego velho não suportou por muito tempo a vida monótona da praça. Logo mudou-se pra fazenda do Cerro Grande, do Tadeu Waltrick.

Agora as emoções estavam proibidas, mesmo assim todos os dias o velho peão encilhava a rosilha e volteava o campo a cata de alguma rês ferida ou vaca parida.

Numa rotineira caminhada pelo campo, eis que surge por encanto um velho javali a perturbá-lo. Nesta última lida, durante a perseguição saltou como um bólido do cavalo em cima do javali, com a mão esquerda segurou a orelha e com a direita desferiu certeiro golpe de peixeira na jugular.

A emoção desta derradeira lida foi tão grande, que seu cansado coração não suportou, na manhã seguinte o velho peão foi encontrado no leito sorrindo e já desfalecido. Assim encerrou seus dias, este verdadeiro taura.

 


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O Peão Tota Machado

Agora vamos relatar façanhas de alguns peões do passado com suas técnicas rudes e arrojadas. Esta estória foi transcrita da pag. 33 do livro Coisas do Passado, de José Maria de Arruda Filho. Ela relata as façanhas de um peão da fazenda Bovista chamado Tota Machado. Eis a narrativa de Zé Maria:

” Quem viu como nós as façanhas de um Tota Machado, de um Pedro Trabuco, de um Virgílio Eufrásio, de um Leandro Arruda e tantos outros, cometerá uma injustiça se escrever sobre lidas campeiras e não os citar.

Citando-os, temos que contar algumas de suas façanhas.

Todos eles, está claro, eram domadores.

Tota Machado lidava sozinho. Laçava o potro, embuçalava, encilhava, tirava da mangueira para o campo. Ali fazia umas rodilhas com o cabo do buçal e com elas na mão esquerda, pegava juntamente a orelha do lado de montar do redomão. Com a mão direita segurava a rédea e a cabeça do arreio e de repente, num salto, alcançava o socado sem fazer uso do estribo.

Se o potro corcoveava ou rodava, pior para ele, cavalo, pois o cavaleiro nem saia, nem ficava calcado.

Uma ocasião Tota Machado montava um redomão e ia fechando um cigarro, quando o pingo deu um coice, saiu corcoveando e foi cair num caminho fundo.

Num barranco perto estava o homem fechando o cigarro e esperando o cavalo levantar-se para saltar no lombilho, o que fez já de cigarro nos queixos.

Outra ocasião encilhou um animal que estava solto há muito tempo. Não pôs rabicho. Em dado momento o cavalo pôs-se a corcovear. Os arreios vieram para frente , para cair, quando o cavaleiro rápido os segurou, juntamente com um punhado de crina do animal.

Sairam o baixeiro e a carona, mas ele e o socado ficaram.”


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Lobisomem do Tio Roma

Nas noites de lua cheia, durante a quaresma, lobisomem é coisa comum de se ver no Painel.

Uivos, latidos de cães, correria, cachorros acuando, é o orelhudo assustando de novo o velho povoado.

Conta Tio Roma, quando ainda era guri, morando na casa velha da Tia Romélia , durante a quaresma era batata, sempre aparecia o lobisomem.

Nos botecos da praça, nas rodas de cachaça, as prosas corriam soltas sobre quem era o novo lobisomem que assolava a praça, fazendeiro, capataz, tropeiro talvez. Com certeza, novo morador que se transformava no bicho e deixa a população em polvorosa.

Mas Tio Roma me contou, outro dia numa lida de gado que naquela época, numa noite de lua cheia, enquanto os cachorros acuavam, já em noite avançada, por conta de uma ligeira, foi obrigado a ir a privada.

Só com o clarão do lampião, colocado atrás de casa, correu pra distante casinha com medo da assombração. Assustado, de porta aberta, escutava cachorros acuando… primeiro descendo a estrada na direção do rio, depois ao longe na direção do morro do Baixeiro.

De repente, os cachorros passaram a acuar na direção da vila, num instante o bicho estava ali, parado contra a luz do lampião, olhos vermelhos de fogo, presas a mostra. Tio Roma, estatelado, mudo, todo borrado. Ainda bem que estava no trono sentado.

Por sorte em seguida os cachorros chegaram e o bicho velho pros lados do Morro da Cruz se fincou.

Tio Roma mal se limpou, correu logo pra casa. Com o susto que levou, em noites de lua cheia nunca mais foi pra privada.