No Rincão da Forquilha

Coisas do meu rincão. Causos e estórias do meu rincão


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Assombração na Ramada

Assombração em fazenda antiga é coisa comum neste rincão.

Alma penada, vítima de suicídio ou assassinato, ninguém ao certo sabe, mas existe de fato.

Perto do meu rincão tem a Ramada, com sua sede antiga, segundo Tio Roma, de fato assombrada.

Por lá não pára peão nem caseiro, a velha sede vive sozinha com suas assombrações.

Por seus corredores escuros, durante as madrugadas se ouvem almas penadas, barulho de corrente é o que jura o Alemão, peão e taipeiro, filho do Barroso, que por lá teve longo pouso.

Mas o causo que vou contar aconteceu há muitos anos com o outro filho do Barroso, o Luís taipeiro. Peão de fala pausada e mansa, depois de rodar várias fazendas se tornou taipeiro de mão cheia, como poucos. Por este meu rincão fez longa carreira.

Naquela época o Luís, ainda solteiro, trabalhava na Ramada como caseiro. A principal lida diária era a tiração de leite para a Lactoplasa.

Num domingo, depois de prender as vacas, o Luís do Barroso como de costume, tomava chimarrão na cozinha, enquanto escutava o programa Rodeio do Maneca, na Rádio Clube de Lages.

Lá pelas tantas ouviu um batido de porta, de imediato saiu da cozinha passando pelo corredor escuro pra conferir, mas a porta estava trancada, olhou ao redor e nada, então voltou pra cozinha.

O caboclo já andava meio assutado com as estórias de assombração que corria sobre a Ramada.

Logo em seguida novo batido de porta, agora também se houve um tropel de botas com esporas, parecendo que algum tio velho estava andando pelo corredor, arrastando uma bruaca. De repente, silêncio.

Embora assustado, o peão foi dar nova olhada no corredor e na porta e nada, tudo do mesmo jeito.

Voltou pra cozinha, já morrendo de medo. Não deu outra, de novo batido de porta, tropel e a velha bruaca sendo arrastada.

O peão pensou ligeiro, esse tio velho não me pega de nenhum jeito. Correu pra estrebaria, pegou a gateada, montou em pelo e disparou sem olhar pra trás.

Era noite de lua nova e o peão passou maus bocados até chegar na casa do Barroso, que dista dali uns 3km de trecho penoso.

Na segunda, o patrão Tio Nego encontrou a velha sede abandonada, escancarada, com a porta da cozinha aberta e a luz acesa.

Me garantiu o Tio Roma, que as bruacas estavam cheias de ouro e que o Luís perdeu a oportunidade de ficar rico.

Seja lá como for, o fato é que o Luís do Barroso nunca mais botou os pés naquele rincão.


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Tornado na Fazenda Grande

Se tem algo que amedronta o povo campeiro das fazendas é tempestade com raios e granizo. Agora o que apavora mesmo é o tornado.

E aqui por estas bandas não é algo raro de acontecer. Há poucos anos atrás, o último tornado que passou, atingiu em cheio a vila do Painel destruindo várias casas e derrubando mais de 2 mil pinheiros.

O ocorrido foi no final de tarde e há relatos de pinheiros e até gado voando pela cidade. Se é lenda ou fato não sei, mas de fato a garagem do Tio Jânio levantou vôo e parou em cima da casa do vizinho.

Mais o fato que vou contar é mais antigo. Da época em que o patrão comprou a fazenda.

A antiga sede estava virada numa tapera velha, com muita vassoura e taipas caidas. Só tinha um velho galpão em ruinas. O começo foi de muita faxina e a prioridade foi construir um novo galpão com baias pros cavalos, banheiro e quarto pra hospedar algum peão.

Logo que o galpão ficou pronto, o patrão passou a ocupá-lo nos finais de semana.

A comida era feita no fogo de chão e logo que anoitecia, todos já estavam na cama. Algum tempo depois, no final da primavera, num sábado estavam na fazenda a Vó Dorinha, Vô Cide, Tiago e o patrão.

Lá pelas dez da noite, a mulher velha por conta do efeito do chimarrão desceu pro banheiro. O movimento acordou o patrão.

Logo que as coisas se acalmaram e antes de pegar no sono, o patrão sentiu aquela lufada, em seguida o debulhar das telhas e a sacudida no galpão, pronto era um tornado.

A mulher velha se apavorou, num instante imaginou que tudo ia pelos ares, quando ameaçou abrir a porta, o patrão gritou:

  • Não abre que é pior. O negócio é deitar e esperar.

Nova rajada de vento e mais telhas no chão, aí a mulher velha se deseperou, se agarrou no Vô Cide e rezou um terço em poucos segundos. Não demorou muito e o tornado passou. Aí todos aliviados voltaram logo a dormir

No dia seguinte a Vó Dorinha jurava que o galpão tinha levantado um metro do chão, mas de fato ele foi sacudido pelo forte vento e por sorte o prejuízo ficou só nas telhas.

O olho do tornado passou a trezentos metros dali e por onde passou fez estrada, nada ficou de pé. Pinheiros, árvores, tudo foi ao chão.

Como a mulher velha ainda estava apavorada, Vô Cide sempre muito gozador, não perdeu tempo, disse que se o tornado tivesse atingido o galpão em cheio, como ela era muito leve, com certeza ia parar na copada de algum pinheiro.


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Os Peões da Boavista

Esta estória foi extraída das pags. 33 e 34 do livro Coisas do Passado, de José Maria de Arruda Filho.

Conta as façanhas de três peões da fazenda Boavista, todos domadores de cavalos. Eis a narrativa do Zé Maria:

“Leandro Arruda, branco arruivado e grande, tinha contudo um corpo leve como uma pluma.

A façanha dele que aqui vai é a prova de sua extraordinária perícia e sangue frio.

Viajava ele pelo interior de São Joaquim cavalgando uma mula e conduzindo uma criança ao colo.

Em dado momento um enxame de marimbondos atacou a mula, que se pôs a corcovear rumo a um precipício próximo.

Leandro não perdeu tempo: meteu um argolaço do rabo de tatu na cabeça da mula, derrubando-a e saindo em pé com a criança nos braços!

Pedro Trabuco, indiático, baixote, de pernas tortas, andava sempre domando ou em animal redomão.

Um dia íamos parar rodeio e como não tínhamos cargueiro, resolvemos que cada um levasse um saco de sal na garupa. Ao Pedro coube um saco com mais ou menos uma quarta de sal.

Em dado momento ele resolveu fazer uma agachada e partiu em grande disparada rumo a uma lagoa seca.

Quando ia em meia viagem deu um chascão em uma cana da rédea, o cavalo perdeu o equilíbrio e rodou, mas ele lá estava com o cabo do buçal e o saco de sal na mão.

Agora temos um preto, Virgílio Eufrásio, mestre dos mestres na arte de montar.

Sabia também derrubar o cavalo que montava com um determinado puxão na rédea e o fazia constantemente para que todos vissem.

Uma vez, numa festa em Painel ele inventou de derrubar na rua um cavalo para o povo ver e aplaudir.

Cada tombo e cada saída davam-lhe um copo de cachaça. Tantos tombos e tantas saídas fez e tantos copos de cachaça bebeu que ficou embriagado e numa daquelas morreu espremido pelo cavalo.”


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A Mina do Nego Feliciano

Pra outros lados não sei, mas aqui no continente das lagens “mina” é o tesouro escondido nas centenárias fazendas. Minas enterradas, de certo, na época das lutas entre maragatos e chimangos ou na guerra dos farrapos.

Ao certo ninguém sabe, mas corre a lenda, que na aproximação de novo embate, os ricos fazendeiros escondiam seu ouro, que em muitos casos ficou perdido.

Mexe com o imaginário popular. Há inúmeras estórias de minas tiradas, certamente de algum buraco de taipa ou num velho cemitério campeiro.

A mais famosa estória de mina, é a do Nego Feliciano.

Conta Tio Roma, que Nego Feliciano era peão de muitas fazendas, taipeiro como poucos.

Onde teve maior parada foi nas fazendas do Niquinho Alves, no Santo Antonio do Caveiras e na antiga Pinheiros Altos, do Jorge Branco, lá pras bandas da Boavista.

O causo ocorreu justamente na mesma época que o taipeiro Juvenal Correia, pai do Tio Roma, arrumava o mangueirão da velha fazenda. Por cima da mina, caminhou muitas vezes, mal desconfiava o velho taipeiro que a fortuna estava a seus pés.

Por esta época, Nego Feliciano andava atormentado com um sonho diário. Nele um velho fazendeiro pedia para seguí-lo até uma mina escondida na fazenda. O sonho acabava e o Nego Feliciano, cada vez mais encucado.

Certa vez, o peão velho encilhou o cavalo e foi dar uma volta no Painel. Depois de muita prosa e muitos tragos de pinga, no armazém do Orion, o nego velho, de cara cheia botou o pé na estrada.

Do jeito que chegou caiu. Dormiu ali mesmo no galpão. Cedo a geada tirou o peão do sono. Levantou e se mandou pro fim da invernada, pra conferir o sonho da noite anterior, pois o velho fazendeiro finalmente havia indicado onde a mina estava enterrada. Debaixo de um bugre seco, junto da taipa.

Na noite seguinte, quando a peonada dormia, retirou a mina e a enterrou debaixo de uma pedra no meio do mangueirão da casa.

No final de semana, levou pro Painel, onde escondeu num pé de vime. Mas na semana seguinte, a mina voltou pro mangueirão dos Pinheiros Altos.

Semanas depois, o patrão desconfiado, fez pressão na peonada. Nego Feliciano então entregou pro patrão a mina achada. De gratificação, recebeu uma égua encilhada.

Conta Tio Roma que a tal mina rendeu muito gado e fazendas e que o Nego Feliciano morreu pobre, trabalhando.

Mal sabe Tio Roma que a cultura e as tradições são os verdadeiros tesouros de um povo.