No Rincão da Forquilha

Coisas do meu rincão. Causos e estórias do meu rincão


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Alma Penada

Aqui no meu rincão há um cemitério campeiro, perto da velha estrada e da sede lindeiro.

De taipa é todo cercado, com certeza o mais antigo destes lageados.

Dos descendentes do capitão Joaquim José Pereira são os jazigos mais proeminentes.

Muitas lendas cercam a fazenda e seu cemitério com assombro e mistério.

Segundo Tio Roma, as almas penadas não se livraram da vida terrena. Perambulam em busca de ajuda por meio de vozes, suspiros, luzes  que dão origem aos assombros.

Aqui no meu rincão muito se fala dum lenhador solitário, que perto da antiga sede alimenta o imaginário.

Mas voltando ao cemitério, ao longe passam os caboclos medrosos, e pra evitar impropério se benzem e rezam os mais respeitosos.

Mas a estória que nos conta Tio Roma é antiga, da época que o Tio Tarso roçava vassoura no potreiro da casa, perto do cemitério.

Num final de tarde de inverno, envolvido em sua roçada, de repente ouviu sussurros pros lados do cemitério. Ligeiro correu pra sede, onde o Luis Taipeiro num remonte de taipa se entretia.

O caboclo quase sem fôlego, esbravejou sem critério:

• Vozes! Vozes no cemitério!

O matreiro taipeiro, querendo demonstrar coragem, logo achacou o companheiro:

• Vamos ver esta visagem!

Tio Tarso seguiu o companheiro pela estrada, mesmo contrariado por ser o dito cemitério assombrado. Quando se aproximaram, logo distinguiram duas vozes. Uma rouca meio gutural e outra mansa até angelical.

Então pararam perto do portão e ouviram o diálogo:

• Essa é minha…essa é tua!

De pronto os dois cablocos arregalaram os olhos, e no susto só tiveram um pensamento: era o anjo Gabriel e o diabo dividindo as almas penadas do cemitério.

E o diálogo continuava:

• Essa é minha…essa é tua!

Quando os caboclos já se preparavam pra zarpar, tudo se silenciou… afinaram os ouvidos, então a voz rouca exclamou:

• Terminamos!

Para logo em seguida retrucar:

• Não! Espera, ainda faltam aquelas duas que deixamos em frente ao portão!!!

Foi um Deus nos acuda, quase não sobrou peão pra contar estória.

Algum tempo depois, numa roda de chimarrão, o velho peão Taquara, descrente de assombração, deu outro desfecho pra estória.

Afirmou que depois de derrubar muita pinha, dois ladrões, sentaram-se atrás da taipa, nos fundos do cemitério, para dividir as pinhas e daí entrou o Tio Tarso na estória.

Se é verdade não sei, mas Tio Tarso que já era negado de cemitério, depois dessa se arrepiou e agora só passa de longe pela estrada.

O Luís taipeiro, que diz não ter medo, mas muito respeito, pra não se fazer de rogado, só cruza o cemitério de dia e bem acompanhado.


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O Javali do Taquara

Taquara era peão valente, destemido, lidador de muitas fazendas. Como os irmãos Cará e Bolacha, nascido e criado na Vossoroca. Depois de moço mudou-se pro Painel, onde logo se apaixonou por formosa morena, filha do Tio Juca Brito.

Magrinho, sempre alegre e sorridente, contador de bons causos, mas nas lidas campeiras um verdadeiro taura.

Já peão feito, passou seus últimos anos de lida, na fazenda do Paulo Menina, vizinha do meu rincão. Vez por outra sua filha Maninha dá uma mão pra patroinha nas lidas lá de casa.

De prontidão pra qualquer lida campeira, certa vez, na mangueira do Celsinho Mariano, numa lida pro Hélio Branco, touro deitou no centro da mangueira e num instante levantou boi. A peonada aplaudiu a destreza do Taquara naquela castração.

Taquara encarnou como poucos a verdadeira alma lageana.

Mas vamos a estória que motivou este causo. Alguns anos atrás, encilhou as éguas com o genro Cabeça e na companhia da velha buldogue, foi a cata de pinhão nas chapadas da fazenda do Antonio Silva, aqui ao lado do meu rincão.

Perto do açude das carpas, o nego velho avistou tremendo javali pastando com a boiada. Devagar se aproximou, mas logo o bicho percebeu e se largou em disparada pro perau logo depois da cascata. A velha buldogue, Taquara e Cabeça no seu encalço. O bicho logo estava acuado. O Taquara montado disparou certeira laçada pelo meio do carazal. Firmou o laço na argola da basteira da baia e gritou pro Cabeça:

  • Saltemos! Eu na cabeça e tu nas patas. Mas temos que pegar junto.

Ao sinal do Taquara, num instante estavam os dois sobre o javali, de mais de cem quilos. Dominado, sangrado e carneado, deixou o Taquara dependurada numa árvore a cabeça do javali, que hoje enfeita o nosso fogo de chão, como troféu e recordação das façanhas deste taura.

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Cabeça do Javali do Taquara, que enfeita o fogo de chão da FG

Depois de aposentado, o nego velho não suportou por muito tempo a vida monótona da praça. Logo mudou-se pra fazenda do Cerro Grande, do Tadeu Waltrick.

Agora as emoções estavam proibidas, mesmo assim todos os dias o velho peão encilhava a rosilha e volteava o campo a cata de alguma rês ferida ou vaca parida.

Numa rotineira caminhada pelo campo, eis que surge por encanto um velho javali a perturbá-lo. Nesta última lida, durante a perseguição saltou como um bólido do cavalo em cima do javali, com a mão esquerda segurou a orelha e com a direita desferiu certeiro golpe de peixeira na jugular.

A emoção desta derradeira lida foi tão grande, que seu cansado coração não suportou, na manhã seguinte o velho peão foi encontrado no leito sorrindo e já desfalecido. Assim encerrou seus dias, este verdadeiro taura.

 


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Lobisomem do Tio Roma

Nas noites de lua cheia, durante a quaresma, lobisomem é coisa comum de se ver no Painel.

Uivos, latidos de cães, correria, cachorros acuando, é o orelhudo assustando de novo o velho povoado.

Conta Tio Roma, quando ainda era guri, morando na casa velha da Tia Romélia , durante a quaresma era batata, sempre aparecia o lobisomem.

Nos botecos da praça, nas rodas de cachaça, as prosas corriam soltas sobre quem era o novo lobisomem que assolava a praça, fazendeiro, capataz, tropeiro talvez. Com certeza, novo morador que se transformava no bicho e deixa a população em polvorosa.

Mas Tio Roma me contou, outro dia numa lida de gado que naquela época, numa noite de lua cheia, enquanto os cachorros acuavam, já em noite avançada, por conta de uma ligeira, foi obrigado a ir a privada.

Só com o clarão do lampião, colocado atrás de casa, correu pra distante casinha com medo da assombração. Assustado, de porta aberta, escutava cachorros acuando… primeiro descendo a estrada na direção do rio, depois ao longe na direção do morro do Baixeiro.

De repente, os cachorros passaram a acuar na direção da vila, num instante o bicho estava ali, parado contra a luz do lampião, olhos vermelhos de fogo, presas a mostra. Tio Roma, estatelado, mudo, todo borrado. Ainda bem que estava no trono sentado.

Por sorte em seguida os cachorros chegaram e o bicho velho pros lados do Morro da Cruz se fincou.

Tio Roma mal se limpou, correu logo pra casa. Com o susto que levou, em noites de lua cheia nunca mais foi pra privada.