No Rincão da Forquilha

Coisas do meu rincão. Causos e estórias do meu rincão


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A Promessa de Íria Palhano

Nesta última estória extraída das pags. 55 e 56 do livro Coisas do Passado, José Maria de Arruda Filho relata o pagamento de promessa de Íria Palhano, nora do capataz da Fazenda Boavista.

Embora o autor não informe, mas provável que a cruz do morro do Calvário tenha sido, como tantas outras na região, fincada pelo Monge João Maria.

O santo de devoção da gente humilde do planalto é o próprio São João Maria.

Vamos ao relato do Zé Maria:

” Um domingo, quando a madrugada cantava pelo bico dos galos – no dizer bonito de Tito de Carvalho – ela apareceu com um vestido branco e andando mais depressa que de costume.

Todo o pessoal da casa estava em movimento. Dois homens trouxeram do piquete três cavalos que foram encilhados.

Ao escurecer de sábado uma pedra chata fora colocada em cima da taipa do parapeito do pátio.

Algo de anormal estava para acontecer. Servido o café, todos se levantaram e seguiram para a frente da casa.

A aurora punha o pé cor de rosa na montanha – como diria Guerra Junqueiro.

Íria chegou-se para próximo da pedra que outra pessoa ajeitou e colocou sobre sua cabeça. Neste instante todos os olhos brilharam cheios d’água e muitos peitos estalaram em soluços abafados.

Até um guri que ali estava, o autor destas linhas, ajuntou o seu choro aberto e inexpressivo, naquele instante sublime, aos soluços daquela gente simples.

Com passo firme, conduzindo a pedra de mais de 15 quilos, descalça, Íria tomou o rumo do sul, seguida por três cavaleiros – dois homens e uma mulher. Vimos a caravana galgar e desaparecer no morro distante.

A 14 quilômetros da fazenda erguia-se o morro do Calvário que era a meta final. No alto do morro tinha uma cruz e foi ao pé dela que Íria depositou a pedra, ajoelhando-se sobre ela e orando.

Quando o sol descambava para o poente, ela surgiu de volta no morro além, seguida pelos cavaleiros e em breve entrava na casa da fazenda. Em seu rosto lia-se a satisfação que experimentava pelo resgate da palavra empenhada.

É que quando mocinha fora atacada por forte paralisia e prometera ao santo de sua devoção, caso ela se curasse, que em sua homenagem e em sinal de reconhecimento faria o que fez.

Nossos pais tinham lhe propiciado também algum tratamento médico. Ela ficou completamente curada e assim viveu por muitos anos, deixando numerosa prole.”


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Alma Penada

Aqui no meu rincão há um cemitério campeiro, perto da velha estrada e da sede lindeiro.

De taipa é todo cercado, com certeza o mais antigo destes lageados.

Dos descendentes do capitão Joaquim José Pereira são os jazigos mais proeminentes.

Muitas lendas cercam a fazenda e seu cemitério com assombro e mistério.

Segundo Tio Roma, as almas penadas não se livraram da vida terrena. Perambulam em busca de ajuda por meio de vozes, suspiros, luzes  que dão origem aos assombros.

Aqui no meu rincão muito se fala dum lenhador solitário, que perto da antiga sede alimenta o imaginário.

Mas voltando ao cemitério, ao longe passam os caboclos medrosos, e pra evitar impropério se benzem e rezam os mais respeitosos.

Mas a estória que nos conta Tio Roma é antiga, da época que o Tio Tarso roçava vassoura no potreiro da casa, perto do cemitério.

Num final de tarde de inverno, envolvido em sua roçada, de repente ouviu sussurros pros lados do cemitério. Ligeiro correu pra sede, onde o Luis Taipeiro num remonte de taipa se entretia.

O caboclo quase sem fôlego, esbravejou sem critério:

• Vozes! Vozes no cemitério!

O matreiro taipeiro, querendo demonstrar coragem, logo achacou o companheiro:

• Vamos ver esta visagem!

Tio Tarso seguiu o companheiro pela estrada, mesmo contrariado por ser o dito cemitério assombrado. Quando se aproximaram, logo distinguiram duas vozes. Uma rouca meio gutural e outra mansa até angelical.

Então pararam perto do portão e ouviram o diálogo:

• Essa é minha…essa é tua!

De pronto os dois cablocos arregalaram os olhos, e no susto só tiveram um pensamento: era o anjo Gabriel e o diabo dividindo as almas penadas do cemitério.

E o diálogo continuava:

• Essa é minha…essa é tua!

Quando os caboclos já se preparavam pra zarpar, tudo se silenciou… afinaram os ouvidos, então a voz rouca exclamou:

• Terminamos!

Para logo em seguida retrucar:

• Não! Espera, ainda faltam aquelas duas que deixamos em frente ao portão!!!

Foi um Deus nos acuda, quase não sobrou peão pra contar estória.

Algum tempo depois, numa roda de chimarrão, o velho peão Taquara, descrente de assombração, deu outro desfecho pra estória.

Afirmou que depois de derrubar muita pinha, dois ladrões, sentaram-se atrás da taipa, nos fundos do cemitério, para dividir as pinhas e daí entrou o Tio Tarso na estória.

Se é verdade não sei, mas Tio Tarso que já era negado de cemitério, depois dessa se arrepiou e agora só passa de longe pela estrada.

O Luís taipeiro, que diz não ter medo, mas muito respeito, pra não se fazer de rogado, só cruza o cemitério de dia e bem acompanhado.


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Tempestade no Rincão

O nosso rincão fica numa chapada sujeita a todo tipo de intempéries. Granizo, tornados e tempestades daquelas brabas, com vento forte, muitos raios, trovões e relâmpagos.

Quando o tempo fecha a peonada se assusta e começa a rezar.

É no final da primavera que se aproximam as temorosas.

De vez em quando passam direto pra Mortandade ou giram pro sul ao longo do Lavatudo, lá pros lados da Vossoroca.

Na época que a sede estava em reforma sob a batuta do mestre Biraba, num final de tarde o céu se escureceu com a aproximação de uma daquelas.

Naquela hora o patrão velho se preparava para levar sal pras terneiras lá da invernada do rincão.

Contemplou aquele cenário, coçou a cabeça, pensou ligeiro e fincou o pé na estrada.

Ao passar pelo fogo de chão, lá do alto do morro gritou o César Branco, que com o Tio Leti consertava a taipa do velho carregador da época do Celsinho Mariano:

  • E a tempestade, homem?
  • Rapaz! Acho que dá tempo, retrucou o patrão.

Passou o portão e se fincou na estrada, com o Rex no seu encalço.

Quando chegou no alto da colina do mata-burro a coisa só tinha piorado. Mas o patrão estava decidido, acelerou o passo pra tentar voltar antes da tempestade.

Do alto da colina do pomar o patrão percebeu que a tempestade que vinha do norte, já andava lá pros lados da Serrinha e galopava numa velocidade alucinante.

Apertou ainda mais os passos, num instante estava no saleiro.

Na volta, quando fechava o portão teve uma visão assustadora. A tempestade tinha chegado na antiga sede do rincão, o calipal sacodia e gemia pela força do vento.

O patrão velho se botou a correr na direção do antigo pomar. No meio do caminho, assustado com a força do vento, raios e trovões correu para o meio do vassoural.

Agachado debaixo de uma vassoura, abraçado ao Rex, ficou imaginando como cruzaria o calipal do velho pomar, com aquela força devastadora do vento e a saraivada de raios.

Melhor ficar esperando debaixo do vassoural.

Quando o vento acalmou, o patrão velho não teve dúvida, fincou o pé na estrada pra tentar fugir da saraivada de raios. O negócio era torcer pros raios não caírem perto, desviar o calipal e os pinheiros isolados e rezar pra chegar logo em casa.

Logo depois do mata-burro o vento voltou com força junto com nova saraivada de raios. Dali deu pra notar que caiu um bem perto do fogo de chão.

O patrão vinha rezando e prometendo pra todos os santos que se escapasse daquela tormenta, nunca mais ia enfrentar outra tempestade em campo aberto.

Agora, ele que era da cidade, já sabia porque os campeiros respeitavam tanto as tempestades.

Ao chegar no fogo de chão, pegou os peões César Branco e Tio Leti debaixo da mesa, provavelmente rezando.

  • Que que é isso peão! indagou o patrão.

Nem deu tempo pra rir, os peões logo correram pra pegar carona.

No outro dia, na hora do rango, Tio Roma e Biraba eram só gozação pra cima dos peões por força do fiasco do dia anterior.

Os prejuízos foram grandes. Além da geladeira do fogo de chão queimada, um boi gordo do seu Antonio Silva morto por um raio. Na antiga sede do rincão, aquela usada pelo Romeu da Pedra, jaziam dois pesados eucaliptos tombados pela força da tempestade.


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Os Pialadores da Boavista

Esta estória foi extraída da pág. 37 do livro Coisas do Passado, de José Maria de Arruda Filho.

Assim escreveu o Zé Maria:

“Os pialos eram de forma clássica: reborqueados. Pialos brancos, mata-cobra, como eram chamados, eram pejorativos para quem os usasse.

Terneiro derrubado com um pialo destes, ninguém o calcava.

Às vezes quando eram muitos laços rodopiando no ar, um muito próximo do outro, permitia-se um “tirão” ou uma “cucharra”.

Os pialadores dividiam-se em tres classes: Os novatos e pichotes, os médios que já pialavam bem e os “jubilados”, que eram mestres.

Estes últimos eram raros e por isso só falaremos de três deles:

Heleodoro Vieira, da fazenda, reborqueava seu laço com muita velocidade; a armada pequena vinha de longe numa nuvem de poeira catar as munhecas da rês.

Outro pialador espetacular e canhoto – o Cafula – mulato espigado (lembra o Beatinho do Euclides da Cunha) pialava de armada grande, à moda de Vacaria, por onde as vezes passava.

Mas o “catedrático do reborqueado”, preciso, matemático, cabloco retaco e quieto – Antonio da Rosa Arruda Madruga – armava o seu “mundéu” próximo ao fogo da marca. Terneiro que por ali passasse, era terneiro marcado.”


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Assombração na Ramada

Assombração em fazenda antiga é coisa comum neste rincão.

Alma penada, vítima de suicídio ou assassinato, ninguém ao certo sabe, mas existe de fato.

Perto do meu rincão tem a Ramada, com sua sede antiga, segundo Tio Roma, de fato assombrada.

Por lá não pára peão nem caseiro, a velha sede vive sozinha com suas assombrações.

Por seus corredores escuros, durante as madrugadas se ouvem almas penadas, barulho de corrente é o que jura o Alemão, peão e taipeiro, filho do Barroso, que por lá teve longo pouso.

Mas o causo que vou contar aconteceu há muitos anos com o outro filho do Barroso, o Luís taipeiro. Peão de fala pausada e mansa, depois de rodar várias fazendas se tornou taipeiro de mão cheia, como poucos. Por este meu rincão fez longa carreira.

Naquela época o Luís, ainda solteiro, trabalhava na Ramada como caseiro. A principal lida diária era a tiração de leite para a Lactoplasa.

Num domingo, depois de prender as vacas, o Luís do Barroso como de costume, tomava chimarrão na cozinha, enquanto escutava o programa Rodeio do Maneca, na Rádio Clube de Lages.

Lá pelas tantas ouviu um batido de porta, de imediato saiu da cozinha passando pelo corredor escuro pra conferir, mas a porta estava trancada, olhou ao redor e nada, então voltou pra cozinha.

O caboclo já andava meio assutado com as estórias de assombração que corria sobre a Ramada.

Logo em seguida novo batido de porta, agora também se houve um tropel de botas com esporas, parecendo que algum tio velho estava andando pelo corredor, arrastando uma bruaca. De repente, silêncio.

Embora assustado, o peão foi dar nova olhada no corredor e na porta e nada, tudo do mesmo jeito.

Voltou pra cozinha, já morrendo de medo. Não deu outra, de novo batido de porta, tropel e a velha bruaca sendo arrastada.

O peão pensou ligeiro, esse tio velho não me pega de nenhum jeito. Correu pra estrebaria, pegou a gateada, montou em pelo e disparou sem olhar pra trás.

Era noite de lua nova e o peão passou maus bocados até chegar na casa do Barroso, que dista dali uns 3km de trecho penoso.

Na segunda, o patrão Tio Nego encontrou a velha sede abandonada, escancarada, com a porta da cozinha aberta e a luz acesa.

Me garantiu o Tio Roma, que as bruacas estavam cheias de ouro e que o Luís perdeu a oportunidade de ficar rico.

Seja lá como for, o fato é que o Luís do Barroso nunca mais botou os pés naquele rincão.


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Tornado na Fazenda Grande

Se tem algo que amedronta o povo campeiro das fazendas é tempestade com raios e granizo. Agora o que apavora mesmo é o tornado.

E aqui por estas bandas não é algo raro de acontecer. Há poucos anos atrás, o último tornado que passou, atingiu em cheio a vila do Painel destruindo várias casas e derrubando mais de 2 mil pinheiros.

O ocorrido foi no final de tarde e há relatos de pinheiros e até gado voando pela cidade. Se é lenda ou fato não sei, mas de fato a garagem do Tio Jânio levantou vôo e parou em cima da casa do vizinho.

Mais o fato que vou contar é mais antigo. Da época em que o patrão comprou a fazenda.

A antiga sede estava virada numa tapera velha, com muita vassoura e taipas caidas. Só tinha um velho galpão em ruinas. O começo foi de muita faxina e a prioridade foi construir um novo galpão com baias pros cavalos, banheiro e quarto pra hospedar algum peão.

Logo que o galpão ficou pronto, o patrão passou a ocupá-lo nos finais de semana.

A comida era feita no fogo de chão e logo que anoitecia, todos já estavam na cama. Algum tempo depois, no final da primavera, num sábado estavam na fazenda a Vó Dorinha, Vô Cide, Tiago e o patrão.

Lá pelas dez da noite, a mulher velha por conta do efeito do chimarrão desceu pro banheiro. O movimento acordou o patrão.

Logo que as coisas se acalmaram e antes de pegar no sono, o patrão sentiu aquela lufada, em seguida o debulhar das telhas e a sacudida no galpão, pronto era um tornado.

A mulher velha se apavorou, num instante imaginou que tudo ia pelos ares, quando ameaçou abrir a porta, o patrão gritou:

  • Não abre que é pior. O negócio é deitar e esperar.

Nova rajada de vento e mais telhas no chão, aí a mulher velha se deseperou, se agarrou no Vô Cide e rezou um terço em poucos segundos. Não demorou muito e o tornado passou. Aí todos aliviados voltaram logo a dormir

No dia seguinte a Vó Dorinha jurava que o galpão tinha levantado um metro do chão, mas de fato ele foi sacudido pelo forte vento e por sorte o prejuízo ficou só nas telhas.

O olho do tornado passou a trezentos metros dali e por onde passou fez estrada, nada ficou de pé. Pinheiros, árvores, tudo foi ao chão.

Como a mulher velha ainda estava apavorada, Vô Cide sempre muito gozador, não perdeu tempo, disse que se o tornado tivesse atingido o galpão em cheio, como ela era muito leve, com certeza ia parar na copada de algum pinheiro.


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Os Peões da Boavista

Esta estória foi extraída das pags. 33 e 34 do livro Coisas do Passado, de José Maria de Arruda Filho.

Conta as façanhas de três peões da fazenda Boavista, todos domadores de cavalos. Eis a narrativa do Zé Maria:

“Leandro Arruda, branco arruivado e grande, tinha contudo um corpo leve como uma pluma.

A façanha dele que aqui vai é a prova de sua extraordinária perícia e sangue frio.

Viajava ele pelo interior de São Joaquim cavalgando uma mula e conduzindo uma criança ao colo.

Em dado momento um enxame de marimbondos atacou a mula, que se pôs a corcovear rumo a um precipício próximo.

Leandro não perdeu tempo: meteu um argolaço do rabo de tatu na cabeça da mula, derrubando-a e saindo em pé com a criança nos braços!

Pedro Trabuco, indiático, baixote, de pernas tortas, andava sempre domando ou em animal redomão.

Um dia íamos parar rodeio e como não tínhamos cargueiro, resolvemos que cada um levasse um saco de sal na garupa. Ao Pedro coube um saco com mais ou menos uma quarta de sal.

Em dado momento ele resolveu fazer uma agachada e partiu em grande disparada rumo a uma lagoa seca.

Quando ia em meia viagem deu um chascão em uma cana da rédea, o cavalo perdeu o equilíbrio e rodou, mas ele lá estava com o cabo do buçal e o saco de sal na mão.

Agora temos um preto, Virgílio Eufrásio, mestre dos mestres na arte de montar.

Sabia também derrubar o cavalo que montava com um determinado puxão na rédea e o fazia constantemente para que todos vissem.

Uma vez, numa festa em Painel ele inventou de derrubar na rua um cavalo para o povo ver e aplaudir.

Cada tombo e cada saída davam-lhe um copo de cachaça. Tantos tombos e tantas saídas fez e tantos copos de cachaça bebeu que ficou embriagado e numa daquelas morreu espremido pelo cavalo.”


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A Mina do Nego Feliciano

Pra outros lados não sei, mas aqui no continente das lagens “mina” é o tesouro escondido nas centenárias fazendas. Minas enterradas, de certo, na época das lutas entre maragatos e chimangos ou na guerra dos farrapos.

Ao certo ninguém sabe, mas corre a lenda, que na aproximação de novo embate, os ricos fazendeiros escondiam seu ouro, que em muitos casos ficou perdido.

Mexe com o imaginário popular. Há inúmeras estórias de minas tiradas, certamente de algum buraco de taipa ou num velho cemitério campeiro.

A mais famosa estória de mina, é a do Nego Feliciano.

Conta Tio Roma, que Nego Feliciano era peão de muitas fazendas, taipeiro como poucos.

Onde teve maior parada foi nas fazendas do Niquinho Alves, no Santo Antonio do Caveiras e na antiga Pinheiros Altos, do Jorge Branco, lá pras bandas da Boavista.

O causo ocorreu justamente na mesma época que o taipeiro Juvenal Correia, pai do Tio Roma, arrumava o mangueirão da velha fazenda. Por cima da mina, caminhou muitas vezes, mal desconfiava o velho taipeiro que a fortuna estava a seus pés.

Por esta época, Nego Feliciano andava atormentado com um sonho diário. Nele um velho fazendeiro pedia para seguí-lo até uma mina escondida na fazenda. O sonho acabava e o Nego Feliciano, cada vez mais encucado.

Certa vez, o peão velho encilhou o cavalo e foi dar uma volta no Painel. Depois de muita prosa e muitos tragos de pinga, no armazém do Orion, o nego velho, de cara cheia botou o pé na estrada.

Do jeito que chegou caiu. Dormiu ali mesmo no galpão. Cedo a geada tirou o peão do sono. Levantou e se mandou pro fim da invernada, pra conferir o sonho da noite anterior, pois o velho fazendeiro finalmente havia indicado onde a mina estava enterrada. Debaixo de um bugre seco, junto da taipa.

Na noite seguinte, quando a peonada dormia, retirou a mina e a enterrou debaixo de uma pedra no meio do mangueirão da casa.

No final de semana, levou pro Painel, onde escondeu num pé de vime. Mas na semana seguinte, a mina voltou pro mangueirão dos Pinheiros Altos.

Semanas depois, o patrão desconfiado, fez pressão na peonada. Nego Feliciano então entregou pro patrão a mina achada. De gratificação, recebeu uma égua encilhada.

Conta Tio Roma que a tal mina rendeu muito gado e fazendas e que o Nego Feliciano morreu pobre, trabalhando.

Mal sabe Tio Roma que a cultura e as tradições são os verdadeiros tesouros de um povo.


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O Javali do Taquara

Taquara era peão valente, destemido, lidador de muitas fazendas. Como os irmãos Cará e Bolacha, nascido e criado na Vossoroca. Depois de moço mudou-se pro Painel, onde logo se apaixonou por formosa morena, filha do Tio Juca Brito.

Magrinho, sempre alegre e sorridente, contador de bons causos, mas nas lidas campeiras um verdadeiro taura.

Já peão feito, passou seus últimos anos de lida, na fazenda do Paulo Menina, vizinha do meu rincão. Vez por outra sua filha Maninha dá uma mão pra patroinha nas lidas lá de casa.

De prontidão pra qualquer lida campeira, certa vez, na mangueira do Celsinho Mariano, numa lida pro Hélio Branco, touro deitou no centro da mangueira e num instante levantou boi. A peonada aplaudiu a destreza do Taquara naquela castração.

Taquara encarnou como poucos a verdadeira alma lageana.

Mas vamos a estória que motivou este causo. Alguns anos atrás, encilhou as éguas com o genro Cabeça e na companhia da velha buldogue, foi a cata de pinhão nas chapadas da fazenda do Antonio Silva, aqui ao lado do meu rincão.

Perto do açude das carpas, o nego velho avistou tremendo javali pastando com a boiada. Devagar se aproximou, mas logo o bicho percebeu e se largou em disparada pro perau logo depois da cascata. A velha buldogue, Taquara e Cabeça no seu encalço. O bicho logo estava acuado. O Taquara montado disparou certeira laçada pelo meio do carazal. Firmou o laço na argola da basteira da baia e gritou pro Cabeça:

  • Saltemos! Eu na cabeça e tu nas patas. Mas temos que pegar junto.

Ao sinal do Taquara, num instante estavam os dois sobre o javali, de mais de cem quilos. Dominado, sangrado e carneado, deixou o Taquara dependurada numa árvore a cabeça do javali, que hoje enfeita o nosso fogo de chão, como troféu e recordação das façanhas deste taura.

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Cabeça do Javali do Taquara, que enfeita o fogo de chão da FG

Depois de aposentado, o nego velho não suportou por muito tempo a vida monótona da praça. Logo mudou-se pra fazenda do Cerro Grande, do Tadeu Waltrick.

Agora as emoções estavam proibidas, mesmo assim todos os dias o velho peão encilhava a rosilha e volteava o campo a cata de alguma rês ferida ou vaca parida.

Numa rotineira caminhada pelo campo, eis que surge por encanto um velho javali a perturbá-lo. Nesta última lida, durante a perseguição saltou como um bólido do cavalo em cima do javali, com a mão esquerda segurou a orelha e com a direita desferiu certeiro golpe de peixeira na jugular.

A emoção desta derradeira lida foi tão grande, que seu cansado coração não suportou, na manhã seguinte o velho peão foi encontrado no leito sorrindo e já desfalecido. Assim encerrou seus dias, este verdadeiro taura.

 


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O Peão Tota Machado

Agora vamos relatar façanhas de alguns peões do passado com suas técnicas rudes e arrojadas. Esta estória foi transcrita da pag. 33 do livro Coisas do Passado, de José Maria de Arruda Filho. Ela relata as façanhas de um peão da fazenda Bovista chamado Tota Machado. Eis a narrativa de Zé Maria:

” Quem viu como nós as façanhas de um Tota Machado, de um Pedro Trabuco, de um Virgílio Eufrásio, de um Leandro Arruda e tantos outros, cometerá uma injustiça se escrever sobre lidas campeiras e não os citar.

Citando-os, temos que contar algumas de suas façanhas.

Todos eles, está claro, eram domadores.

Tota Machado lidava sozinho. Laçava o potro, embuçalava, encilhava, tirava da mangueira para o campo. Ali fazia umas rodilhas com o cabo do buçal e com elas na mão esquerda, pegava juntamente a orelha do lado de montar do redomão. Com a mão direita segurava a rédea e a cabeça do arreio e de repente, num salto, alcançava o socado sem fazer uso do estribo.

Se o potro corcoveava ou rodava, pior para ele, cavalo, pois o cavaleiro nem saia, nem ficava calcado.

Uma ocasião Tota Machado montava um redomão e ia fechando um cigarro, quando o pingo deu um coice, saiu corcoveando e foi cair num caminho fundo.

Num barranco perto estava o homem fechando o cigarro e esperando o cavalo levantar-se para saltar no lombilho, o que fez já de cigarro nos queixos.

Outra ocasião encilhou um animal que estava solto há muito tempo. Não pôs rabicho. Em dado momento o cavalo pôs-se a corcovear. Os arreios vieram para frente , para cair, quando o cavaleiro rápido os segurou, juntamente com um punhado de crina do animal.

Sairam o baixeiro e a carona, mas ele e o socado ficaram.”